• Dor abdominal como manifestação de Angioedema Hereditário

    O angioedema hereditário (AEH) é caracterizado clinicamente por episódios recorrentes de edema subcutâneo e submucoso, de caráter autolimitado, envolvendo a face, extremidades, genitália, vias aéreas superiores e/ou trato gastrointestinal. O acometimento do trato gastrointestinal é comum, observado em aproximadamente 70% dos pacientes com AEH, frequentemente caracterizado por dor abdominal intensa, náuseas, vômitos e diarreia, podendo levar o paciente aos serviços de urgência. Entretanto, devido à sua raridade e à variedade das manifestações clínicas, os ataques abdominais podem não ser facilmente diagnosticados como manifestação de AEH, especialmente quando sintomas extra-abdominais estão ausentes, levando, muitas vezes, a laparotomias e apendicectomias desnecessárias. Consequentemente, as crises abdominais de angioedema reduzem significativamente a qualidade de vida desses pacientes, e resultam em custos com visitas a serviços de emergência e internações, e riscos com cirurgias desnecessárias, quando não é feito o diagnóstico de AEH.

    Atualmente, não existem marcadores laboratoriais específicos para o angioedema gastrointestinal, sendo as manifestações clínicas, sobretudo o relato de dor abdominal intensa acompanhada por náuseas e vômitos, história pessoal de crises recorrentes, sintomas envolvendo outros sítios com edema subcutâneo e de vias aéreas superiores, e história familiar positiva para AEH, os principais instrumentos de suspeição para o diagnóstico.

    Na casuística de Cao e colaboradores, dos 77 pacientes que apresentaram manifestações gastrointestinais, 27 receberam diagnóstico de gastroenterite, 19 foram submetidos a laparotomia (representando 25% dos casos), e um número menor foi interpretado como tendo apendicite, pancreatite, alterações renais e peritonite. Síndrome do intestino irritável e doença inflamatória gastrointestinal tem sido também considerados. Crises abdominais de AEH são com frequência a primeira manifestação clínica da doença em crianças, que são com frequência diagnosticadas com gastroenterite, parasitose intestinal e síndrome do cólon irritável. Deste modo, sugerimos a necessidade de incluir o diagnóstico de AEH no diagnóstico diferencial dos pacientes que se apresentam nas emergências com quadro de dor abdominal de forte intensidade sem sintomas extra-abdominais associados. Durante o quadro agudo, a presença de edema de alças intestinais e/ou ascite no ultrassom de abdome ou tomografia computadorizada de abdome podem dar suporte à suspeita clínica de AEH. Outros elementos da história clínica incluem início dos sintomas associado a exposição a estrógeno pelo uso de contraceptivos orais contendo estrógeno, gestação ou terapia de reposição hormonal ou uso de inibidores da ECA e outras drogas envolvidas no metabolismo da bradicinina. Feita a suspeita clínica, o diagnóstico pode ser confirmado por exames laboratoriais para componentes do sistema Complemento, que incluem dosagem de C4, dosagem quantitativa e atividade funcional do inibidor de C1 (C1-INH) e C1q, e eventualmente testes genéticos para detecção de variantes patogênicas associadas a AEH. O diagnóstico precoce do AEH é essencial para que os pacientes recebam o tratamento apropriado e possam ter uma boa qualidade de vida.

    Referências bibliográficas:

    Cao Y, Liu S, Zhi Y. Recurrent and acute abdominal pain as the main clinical manifestation in patients with hereditary angioedema. Allergy Asthma Proc. 2021 Mar 1;42(2):131-135.